terça-feira, setembro 23, 2008

A Propósito das Palavras do Presidente sobre a Derrocada dos Mercados Financeiros

Disse o Presidente Cavaco Silva que a economia de mercado é o pior dos sistemas económicos, à excepção de todos os outros; tal como a democracia relativamente aos outros sistemas políticos. Acontece que neste momento de crise financeira, não é a economia de mercado que está em causa. O que está em causa é uma certa concepção fundamentalista de que o mercado se basta a si mesmo, com o mínimo de regulação na prossecução do bem-estar social; a ideia de que o mercado tende para o equilíbrio se for deixado a si mesmo, funcionando livremente.

O que está em causa é a ideia de “menos Estado, mais mercado”, escondida sob o chavão de “Menos Estado, melhor Estado”.

O que está em causa é a agenda política neoliberal levada a cabo, quer por governos conservadores, quer por governos que se dizem socialistas, mas que há muito colocaram o socialismo na gaveta.

O que está em causa é o neoliberalismo: essa teoria político-económica que defende que o bem-estar social pode ser melhor alcançado através da livre empresa e do empreendedorismo individual, dentro de um quadro institucional caracterizado por fortes direitos de propriedade privada, mercados livres de regulação e comércio livre e desregrado.

Não é portanto a economia de mercado que está em causa. São as políticas assumidas desde o início dos anos 80 até hoje, baseadas na privatização dos lucros e na socialização dos prejuízos, que estão em causa.

Querer fazer-nos crer que o que está a ser posto em causa é a economia de mercado e não as políticas neoliberais, é querer iludir a questão e iludir-nos a todos.

Máximas

1. Não temos que tolerar os intolerantes.

2. O facto de um crime ser cometido por um menor, não faz desse crime, necessariamente, um crime menor.

domingo, setembro 21, 2008

O Desnorte Neoliberal

Assestam agora as suas baterias contra as entidades reguladoras, os que antes defendiam um mercado, o mais possível livre de amarras reguladoras, fosse do Estado, fosse dessas entidades. Os que sempre defenderam o mercado sem qualquer impedimento, vêm agora, em momento de crise financeira, apontar responsabilidades às entidades reguladoras, que segundo dizem, se distraíram e deixaram passar. Mas afinal, onde está o “laissez faire, laissez passer” que defendiam antes? Onde está o princípio neoliberal dos sacrossantos mercados intocáveis?

É evidente que num ambiente que respira os princípios neoliberais do mercado livre, as entidades reguladoras passaram a ter um papel meramente ornamental. Exactamente porque estas entidades defendem o “bom funcionamento” dos mercados, que pela via da doutrina dominante, se querem “livres”. É evidente que as entidades reguladoras se deixaram adormecer na defesa dos interesses dos especuladores que actuam no mercado e não na defesa dos interesses dos cidadãos, que sofrem no bolso os efeitos colaterais das crises financeiras, ainda que não participem nas transacções bolsistas. As entidades reguladoras não têm como vocação a defesa dos interesses dos cidadãos, ao contrário do Estado.

Os responsáveis que encabeçam estas entidades reguladoras, também eles, acabam por adoptar os princípios neoliberais, ao defenderem o meio onde livre campeie a especulação de mercado e os que nele actuam.

Incorre-se contudo num erro ao apontar o dedo às entidades reguladoras que supostamente não funcionaram, quando a responsabilidade deve ser imputada a uma doutrina económica que grassa pelo planeta: a doutrina do "laissez faire, laissez passer" – o neoliberalismo, e aos que, ao abrigo das suas “leis” engordam à custa do incremento exponencial das desigualdades sociais e das disparidades territoriais.

Querem iludir-nos também os que defendem que a ênfase do papel regulador deve ser colocada nas entidades reguladoras e não no Estado, acusando de desnorte os que querem ver no Estado esse papel. Acontece que o interesse das entidades reguladoras são o bem-estar de quem actua nos mercados – os especuladores - e o interesse do Estado deveria ser o bem-estar de todos os cidadãos, a liberdade e a justiça social.

Infelizmente alguns governos jogam também o jogo neoliberal, e acabam por contribuir para uma desigual distribuição da riqueza e para a sua concentração, retirando a todos, através dos impostos, e atribuindo imerecidamente a alguns, através de privatizações (privatização do lucro, claro está). E quando lhes convém, recorrem às nacionalizações para sobrecarregarem toda a sociedade com o prejuízo de alguns (socialização dos prejuízos).

Esta é uma das razões da falácia do neoliberalismo enquanto doutrina económica promotora do bem-estar das sociedades. O neoliberalismo é apenas uma via que leva à transferência da riqueza colectiva para os bolsos de alguns poderosos. Uma espécie de empoderamento pelo desempossamento. O empoderamento de alguns através do desempossamento de todos. Isto tem um nome antigo.

sexta-feira, setembro 19, 2008

Porto de Abrigo

Repousará,
Junto ao grande rio do Sul,
de águas calmas e aconchegantes,
(sempre frescas, mas nunca frias),
Já próximo do mar infinito.

segunda-feira, setembro 15, 2008

O repouso do Verão





O Verão repousa à sombra das figueiras,
Na margens do grande Rio do Sul.

domingo, setembro 14, 2008

O lugar que o Verão nunca abandona


Felizes os que aqui residem, pois deles o Verão nunca se aparta.

Quem por aqui se passear, entre a Foz e o Álamo, sentirá a sua presença.
Ele aqui permanece, numa indolência sem fim.
Retirado de todos os lugares, mas não deste.

Já prepara agora, a sua cama...

Repousará,
à sombra das figueiras de largas folhas,
Entre os renques das videiras,
E em todas as vinhas.

Repousará,
À sombra das oliveiras divinas.

Repousará,
Junto ao grande rio do Sul,
de águas calmas e aconchegantes,
(sempre frescas, mas nunca frias).

Repousará,
Junto das alfarrobeiras, dos gatos e dos homens,
(que com gestos antigos acarinham a terra).

Já próximo do mar infinito,
Repousará.

E em Junho, por fim,
Quando soar o solstício,
Sairá,
Mas sem nunca abandonar este lugar.

Os que aqui residem,
Entre a Foz e o Álamo,
Têm no calor da sua presença,
A permanente alegria da sua vida.

14 de Setembro de 2008



quarta-feira, setembro 10, 2008

Karl Polanyi e a Liberdade

Nos anos 40 do século XX, Karl Polanyi teve a ousadia de questionar a liberdade, num momento em que se morria por ela nos campos de batalha da Europa, África e Ásia. O geógrafo David Harvey, na sua Breve História do Liberalismo (2005) refere-se a Polanyi da seguinte forma (a tradução é minha):

«Na sua análise [Polanyi] notou que existem dois tipos de liberdade, uma boa e outra má. Esta última manifesta-se através da “liberdade para explorar o semelhante, ou a liberdade para realizar ganhos incomensuráveis não proporcionais aos serviços prestados à comunidade, a liberdade para esconder invenções e inovações tecnológicas de modo a não serem utilizadas para benefício público, ou a liberdade para se lucrar com calamidades públicas secretamente engendradas para vantagem de privados”. Mas Polanyi prossegue afirmando que “na economia de mercado onde prosperam aquelas liberdades produzem-se também liberdades altamente prezadas. Liberdade de consciência, liberdade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de associação, liberdade de escolher o nosso próprio trabalho.” Enquanto acarinhamos estas liberdades para nosso próprio benefício - e certamente muitos de nós o fazem – existe uma larga extensão de by-products da mesma economia que são também responsáveis pelas más liberdades.» (Harvey, 2005)

Polanyi (1954) responde a este dualismo da seguinte forma:

«The passing of [the] market economy can become the beginning of an era of unprecedented freedom. Juridical and actual freedom can be made wider and general than ever before; regulation and control can achieve freedom not only for the few, but for all. Freedom not as appurtenance of privilege, tainted at the source, but as a prescriptive right extending far beyond the narrow confines of the political sphere into the intimate organization of society itself. Thus will old freedoms and civic rights be added to the fund of new freedoms generated by the leisure and security that industrial society offers to all. Such a society can afford to be both and free. (Polanyi, 1954, [citado por Harvey, 2005])

Infelizmente, Polanyi notou que a passagem a tal futuro é bloqueada pelo “obstáculo moral” da utopia liberal (e mais do que uma vez cita Hayek como um exemplar daquela tradição):

Planning and control are being attacked as a denial of freedom. Free enterprise and private ownership are declared to be essentials of freedom. No society built on other foundations is said to deserve to be called free. The freedom that regulation creates is denounced as unfreedom; the justice, liberty and welfare it offers are decried as a camouflage of slavery. (Polanyi, 1954, [citado por Harvey, 2005])

O fundamentalismo neoliberal que apenas considera livres as sociedades fundadas no princípio da livre empresa, da propriedade privada e isentas de qualquer regulação, constitui-se como um “obstáculo moral” à constituição de sociedades justas e reguladas, verdadeiramente livres e geradoras de bem-estar social.

Referências

Harvey, David (2005); A brief history of neoliberalism; Oxford University Press

Polanyi, Karl (1954); The great transformation; Boston, Beacon Press.

terça-feira, setembro 09, 2008

Justiça social: algures entre a liberdade e a igualdade

A liberdade e a igualdade, em certa medida, encontram-se em pólos opostos. Ou dito de outra forma: não cabem no mesmo saco. A Revolução Francesa, ao querer juntá-las, arranjou-nos um bom sarilho. Sistemas económicos e políticos que promovem a igualdade ou a liberdade individual estão longe de serem socialmente justos. É preciso pois encontrar um sistema que promova a justiça social, algures entre a liberdade e a igualdade.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Freedom! What freedom?

The freedom of the market that Bush proclaims as the high point of human aspiration turns out to be nothing more than the convenient means to spread corporate monopoly power and Coca Cola everywhere without constraint.

David Harvey (2005); A brief history of neoliberalism; Oxford University Press, pág.38

domingo, setembro 07, 2008

Liberdade! Que liberdade?

Todos nós amamos a liberdade. Amamo-la tanto que daríamos a vida por ela. Colocamos a liberdade acima da nossa própria vida. “Antes morrer de pé que viver de joelhos” dizem as paredes revolucionárias. Contudo, há que questionar a liberdade, tal como a questionou Polanyi nos anos 40. Por uma razão muito simples: o neoliberalismo, fomentador da injustiça social, escuda-se na liberdade sempre que se vê acossado pelos que o contestam.
A liberdade, tal como a justiça, é, enquanto valor universal, inatacável. As massas são assim impelidas para a causa neoliberal sempre que a mesma é posta em questão. O neoliberalismo explora o anseio do Homem por liberdade individual, para se impor, tal como as religiões instituídas exploram a religiosidade inerente a cada ser humano, para se sustentarem. Assegurado o consentimento da maioria, os neoliberais partem depois para a defesa da liberdade individual a qualquer preço, e passam a integrar o chavão da “liberdade” no seu jargão neoliberal para justificarem tudo, desde a invasão de países soberanos, à exploração do homem pelo homem e à destruição de ecossistemas.

E assim se destrói em nome da liberdade.

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