terça-feira, agosto 02, 2011

A velha história da justificação para o roubo

«Para Locke, a propriedade individual é um direito natural que advém do facto de os indivíduos combinarem o seu trabalho com a terra: os frutos do seu trabalho pertencem-lhes, apenas a eles e a mais ninguém. Esta é a essência da versão lockeana da teoria do valor do trabalho. As trocas de mercado socializam esse direito quando cada indivíduo consegue obter um valor equivalente ao que criou, pela troca que realiza com outros indivíduos, que por sua vez também criaram valor. Com efeito, os indivíduos mantêm, expandem ou socializam o seu direito à propriedade privada, através da criação de valor e através do, supostamente, livre e justo mercado de troca. Esta é a forma através da qual a riqueza das nações é mais facilmente criada e o bem comum melhor servido. O pressuposto é, claro, o de que os mercados podem ser justos e livres, e, na clássica economia política, é assumido que o estado deverá intervir para garantir essa liberdade e justiça – pelo menos, isto é o que Adam Smith aconselhou os governantes a fazer. Mas existe um desagradável corolário da teoria de Locke: os indivíduos que não conseguem, ou falham na produção de valor, perdem o direito à propriedade (ou não a podem reclamar para si). O desapossamento das populações indígenas da América do Norte por “produtivos” colonizadores, por exemplo, foi justificada pelo facto de as populações indígenas não produzirem valor

David Harvey (2011), “The Future of the Commons”, Radical History Review, Issue 109 (Winter 2011) Pp. 104

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Nos dias que correm, o roubo continua a ser justificado pela velha teoria da economia política clássica, onde o fundamentalismo de mercado, vigorante entre nós, lança as suas raízes.

Na verdade, os indígenas da América do Norte foram desapossados pelos colonos, apenas porque estes queriam e podiam (por outras palavras, os colonos eram cobiçosos e mais poderosos). É óbvio que os índios também produziam valor. O valor que lhes bastava, até que um dia chegaram os colonos.

1 comentário:

  1. È um texto excelente.
    Suscitou-me outras leituras que fiz nos anos sessenta (A Origem da Familia, da Propriedade Privada e do Estado, de Engels). Acho que tenho que voltar a ler.
    Contudo
    não preciso de ir fazê-lo a correr,
    para palmas lhe bater...

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