domingo, janeiro 29, 2012

O que é o neoliberalismo?


«Quando se fala do neoliberalismo, alemão ou outro, ou seja do liberalismo contemporâneo, obtém-se geralmente três tipos de resposta.
Em primeiro lugar, esta: do ponto de vista económico, o que é o neoliberalismo? Nada mais do que a reactivação de velhas teorias económicas já gastas.
Em segundo: do ponto de vista sociológico, o neoliberalismo mais não é do que aquilo através do qual passa a instauração, na sociedade, de relações estritamente mercantis.
Por último: do ponto de vista político, o neoliberalismo mais não é do que uma cobertura para a intervenção generalizada e administrativa do Estado, intervenção tão pesada porquanto insidiosa e por se disfarçar sob os aspectos de um neoliberalismo.»

Michael Foucault (1979), Nascimento da Biopolítica, Edições 70. Lisboa. 2004. Páginas 173-174.

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Vivemos numa época moribunda, esta do capitalismo tardio e do neoliberalismo que apodrece. Uma época infértil, incapaz de parir um futuro esperançoso. Uma época que se arrasta e nos arrasta, incapaz de prometer o que quer que seja a não ser o sacrifício do presente e a ausência do futuro. É preciso pôr termo a isto. 

Sheared Times by Portishead on Grooveshark

sexta-feira, janeiro 27, 2012

A guerra para além do homem

O Drone X-47B consegue voar sozinho e aterrar, apenas com o auxílio dos computadores de bordo. Representa um novo paradigma na “arte” da guerra: a morte e a destruição passarão a ser semeadas, já não por homens armados, mas por máquinas que operam de forma semi-independente.

Com as novas armas temos hoje a garantia de que a guerra prosseguirá para além da extinção humana. Já ninguém as comanda, nem sequer de forma remota. Questionava-se em tempos um académico acerca da legitimidade das guerras comandadas, já não por militares, mas por civis que, levantando-se pela manhã, se dirigiam ao local de trabalho: um posto de controlo remoto, algures nos EUA, onde se comandavam drones que sobrevoavam terras distantes, fotografando, metralhando e bombardeando se fosse necessário. Ao fim do dia esses funcionários ou empregados regressavam ao aconchego do lar com o sentimento de missão cumprida, enquanto no distante Paquistão alguém chorava os seus mortos.

Pois bem, com as novas armas a questão começa a perder acutilância. No futuro a guerra poderá escapar não só à alçada dos militares mas também à dos civis. Será coisa de máquinas. Não foi Kasparov vencido pelo Deep Blue? É o admirável mundo novo. O pesadelo do Exterminador entre nós. E ainda que o homem seja varrido da face do planeta, podemos estar descansados: as máquinas ficarão por cá, assegurando a guerra perpétua.

domingo, janeiro 22, 2012

Flamingos (Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e VRSA)


© AMCD

Da dificuldade em conter a expansão do neoliberalismo (isso que alguns teimam em não saber o que é)


 O actual modo de funcionamento da economia mundial (e hoje existe efectivamente uma economia mundial) juntamente com as elites extraterritoriais que a fazem funcionar favorecem organismos estatais que não podem de facto impor as condições de gestão da economia e, menos ainda, a impor restrições ao modo como aqueles que dirigem a economia entendem fazê-lo: a economia é hoje decididamente transnacional. Virtualmente em todos os Estados, pequenos ou grandes, a maior parte dos meios económicos mais importantes para a vida quotidiana da população são «estrangeiros» - ou, dado que foram removidas todas as barreiras aos movimentos do capital, podem tornar-se estrangeiros de um dia para o outro, caso os governantes locais suponham ingenuamente poder intervir.”

Zygmunt Bauman, A Vida Fragmentada, Ensaio sobre a Moral Pós-Moderna, relógio D’Água. 2007. Pág. 253-254.

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Bauman escrevia em 1995, há 17 anos portanto, sobre a impotência dos Estados, ou dos “organismos estatais”, na determinação dos rumos da economia, que passou definitivamente a funcionar num quadro que transcende as nações (transnacional). O “modo de funcionamento da economia” a que se refere Bauman em 1995, não podia ser mais actual. Vivemos já a hora em que “a maior parte dos meios económicos mais importantes para a vida quotidiana da população” se tornam estrangeiros, e, poderíamos acrescentar, chineses. Comunistas capitalistas chineses! Os grandes vencedores da Era neoliberal. Trata-se de uma grande ironia. Eles não comem tudo; eles compram tudo! Esta semana foi a vez da Thames Water, a “maior empresa de água e saneamento do Reino Unido” (Público, 21 de Janeiro de 2012, pág. 15) que “abastece 8,8 milhões de consumidores com água e presta serviços de esgotos a cerca de 14 milhões de britânicos, em Londres e regiões próximas”, ter sido comprada em 8,7% pelo fundo de investimento China Investment Corporation. Já antes a Three Gorges tinha comprado 21,3% da EDP. Água, energia, saneamento básico… – “os meios económicos” mais importantes para a vida quotidiana da população”.

A China posiciona-se estrategicamente no campo geopolítico e geoeconómico da globalização. E não sejamos ingénuos: não o faz por altruísmo ou para “ajudar” o pobre Ocidente que até há pouco era rico e colonizador e que agora implora por mais dinheiro. Fá-lo porque procura ganhar uma posição hegemónica na economia e na política mundial. No futuro poderá impor os seus interesses ao mundo: o que fará o Ocidente (ou o mundo) quando a China ameaçar utilizar o embargo financeiro (essa nova arma), caso os seus interesses sejam contrariados, por exemplo, na questão de Taiwan, essa ilha que se segue, após Macau e Hong Kong?

domingo, janeiro 15, 2012

sexta-feira, janeiro 13, 2012

A confiança dos mercados: Portugal no lixo, mais uma vez.


É preciso ganhar a confiança dos mercados, dizem os adoradores dos mercados que nos governam. É preciso austeridade, dizem também. Ora ai está a resposta dos mercados pela S&P, tão agradada que está com os sacrifícios que lhe prestam e com a austeridade:


domingo, janeiro 08, 2012

Tempos pós-democráticos


«Mas, por muito que Portugal tenha entrado na pós-democracia – e que os políticos portugueses representem de facto interesses outros e privados ou que pouco ou nada têm a ver com o que é a representatividade democrática dos cidadãos e do interesse público -, o sistema político dá ainda poderes ao Presidente. E se este, de facto, não quisesse apenas limitar-se fazer discursos da carochinha, então poderia ter sido coerente com o que é o seu pensamento já expresso anteriormente e com o que é a Constituição, e teria mandado para o Tribunal Constitucional o Orçamento de Estado, em particular as normas que confiscam o subsídio de Natal e de férias dos funcionários públicos.»

São José Almeida, Público, 7 de Janeiro de 2012


Luís Costa, Da Nação
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Democracia, democracia, democracia…A palavra é hoje repetida cada vez mais, até à exaustão, como um grito surdo. Dizemo-la porque decerto sentimos que está a escapar-nos. Parece que vivemos tempos análogos àqueles em que a guerra indesejada e inevitável se pressente, e então a palavra “paz” invade ansiosamente as bocas do mundo. Assim é agora com a "democracia".

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Tony Judt no ano da sua morte, acerca do neoliberalismo. Lê isto ó Gaspar.

“Hoje em dia, ainda se ouvem ecos atabalhoados da tentativa de reacender a Guerra Fria em torno de uma cruzada contra o «islamo-fascismo». Mas o verdadeiro cativeiro mental dos nossos tempos está alhures. A nossa fé contemporânea no «mercado» segue nos mesmíssimos trilhos da sua sósia radical oitocentista – a crença cega na necessidade, no progresso e na História. Tal como o infeliz chanceler trabalhista britânico entre 1929-1931, Philip Snowden, desistiu perante a Depressão e declarou que não valia a pena contrariar as leis inelutáveis do capitalismo, assim os dirigentes da Europa de hoje se refugiam à pressa em medidas de austeridade orçamental para acalmar «os mercados».
Mas o «mercado» - tal como o «materialismo dialéctico» - é apenas uma abstracção: simultaneamente ultra-racional (a sua argumentação supera tudo) e o apogeu do absurdo (não pode ser questionado). Tem os seus verdadeiros crentes – pensadores medíocres quando comparados com os pais fundadores, mas ainda assim influentes; os seus compagnons de route – que em privado podem duvidar dos princípios do dogma, mas não vêem alternativa a pregá-lo; e as suas vítimas muitas das quais nos EUA, em especial, engoliram pressurosamente o seu comprimido e proclamam aos quatro ventos as virtudes de uma doutrina cujos benefícios nunca verão.
Acima de tudo, a servidão em que uma ideologia mantém a sua gente mede-se melhor pela sua incapacidade colectiva para imaginar alternativas. Sabemos muito bem que a fé ilimitada nos mercados desregulados mata: a aplicação estrita do que até há pouco tempo, em países em desenvolvimento vulneráveis, se chama o «consenso de Washington» - que punha a tónica numa política fiscal rigorosa, privatizações, tarifas baixas e desregulamentação – destruiu milhões de meios de subsistência. Entretanto, os «termos comerciais» rígidos em que estes remédios são disponibilizados reduziram drasticamente a esperança de vida em muitos locais. Mas na expressão letal de Margaret Thatcher, «não há alternativa».

Toni Judt, O Chalet da Memória, Edições 70. 2011.Páginas 180-181.
(os sublinhados são nossos)
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Onde estão os verdadeiros sociais-democratas como Tony Judt? É certo que um dia, quando o dogma neoliberal for desacreditado (ou derrubado) pelos resultados de pesadelo a que nos irá conduzir, muitos dos nosso falsos “sociais-democratas”, esses do intitulado “Partido Social Democrata”, irão aparecer aos magotes, batendo com a mão no peito, afirmando a alta voz que sempre foram verdadeiros sociais-democratas, renegando o neoliberalismo – essa teologia do “mercado” que agora apregoam. Hoje, nas fileiras desse partido, verdadeiros sociais-democratas é coisa que não encontramos: todos se converteram ao dogma que não acredita em alternativas; todos se submeteram, inclusive os nossos auto-intitulados “socialistas” que, tal como o Dr. Jekyll and Mr. Hyde, fazem uma coisa quando estão no Governo e defendem outra quando na Oposição.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar.


No país socialmente mais polarizado da Europa Ocidental, onde “todos somos responsáveis” pela situação a que isto chegou (diz Cavaco Silva), parece que afinal se exige mais esforço pelas medidas de austeridade aos mais pobres do que aos mais ricos. Com certeza, devem ser os mais pobres os verdadeiros responsáveis. [Clicar para ver a notícia na Agência Financeira. Aqui.]

Um dia depois do Presidente ter apelado a todos os portugueses para que combatessem pelo futuro de Portugal, não estando nenhum Português dispensado desse combate, parece que existem alguns empresários e empresas que julgam combater melhor pelo futuro do País, mudando a sede social da empresa para a Holanda. Eia patriotas! E já lá vão 19 empresas das que estão cotadas no PSI 20!  [Clicar para ver a notícia na Agência Financeira. Aqui.]

Mas porque nos admiramos? Não sabíamos já que o capital não tem pátria e os negócios não têm ética?

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Somos todos responsáveis?!


«A crise que Portugal atravessa é uma oportunidade para nos repensarmos como País. Orgulhamo-nos da nossa história e queremos continuar a viver de cabeça erguida. Durante muito tempo vivemos a ilusão do consumo fácil, o Estado gastou e desperdiçou demasiados recursos, endividámo-nos muito para lá do que era razoável e chegámos a uma “situação explosiva”, como lhe chamei há precisamente dois anos, quando adverti os Portugueses para os riscos que estávamos a correr. Agora temos de seguir um rumo diferente, temos de mudar de vida e construir uma economia saudável. Somos todos responsáveis. Esta é a hora em que todos os portugueses são chamados a dar o seu melhor para ajudar Portugal a vencer as dificuldades. Trabalhando mais e apostando na qualidade, combatendo os desperdícios, preferindo os produtos nacionais. Deixando de lado os egoísmos, a ideia do lucro fácil e o desrespeito pelos outros. Nenhum Português está dispensado deste combate pelo futuro do seu País.»



O Presidente convoca-nos para o combate pelo futuro do País, dizendo-nos que “somos todos responsáveis”. Somos todos responsáveis?! Nem somos todos responsáveis e entre os responsáveis, alguns são mais responsáveis do que outros. Esta atribuição da responsabilidade a todos os cidadãos é uma forma de diluir a responsabilidade, desresponsabilizando, dessa forma, os verdadeiros responsáveis: os timoneiros que, ao longo dos anos, nos conduziram até aqui.[1]

Uma auditoria à dívida serviria para apurar as responsabilidades da situação a que chegámos e por isso alguns cidadãos defendem-na. Mas, à parte do apuramento das responsabilidades, a verdade é que Portugal se encontra em apuros, pelo que o empenho de todos os portugueses no combate pela salvação do País, se sobrepõe à questão do apuramento das responsabilidades. Por outras palavras: se um navio está a meter água, é melhor que os tripulantes se concentrem no escoamento da água, em vez de perseguirem pelo convés os responsáveis pelo rombo.

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Nota: [1] acerca dos responsáveis pelo “rombo”, este gráfico do blogue Douta Ignorância é muito interessante.

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