sexta-feira, novembro 30, 2012

Pátria & Réplica

       ©AMCD

Pátria

Serra!
E qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
E alma.

Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
- Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bico a picar estrelas verdadeiras...

Miguel Torga, Diário, Vol. II
(Gerês, Pedra Bela, 20 de Agosto de 1942)

***

Réplica

Também aqui as serras, mas sem fragas,
São como vagas petrificadas,
Que nos embalam e enlaçam
No torpor das madrugadas.

Afinal, pensávamos nós,
Que estávamos sós defronte do mar.
Tão equivocados estávamos,
Pois nele já nos encontrávamos.

Por isso nos era ele tão familiar.

No mar lançámos os nossos fados.
E do mar colhemos tornados.

Não!
Este não é o Algarve que julgávamos conhecer.
Do mar insondável, por vezes,
Soavam murmúrios ao entardecer.
Almas familiares de velhos pescadores.
Agora, rodopiantes tornados,
avassaladores...

                                                                  AMCD

quinta-feira, novembro 29, 2012

Vacas e paixões


A minha convicção de que as vacas têm campos mas que as paixões em movimento são o privilégio da mente humana voltou-se desde sempre contra mim.”
George Steiner
 Errata: Revisões de uma Vida, Relógio D’Água, 2009, p. 185

Acabei hoje de ler a Errata. Grande Errata, grande Steiner, grande vida. 

quarta-feira, novembro 28, 2012

Tem razão, o Bagão.


Ouvi-o no caminho para o trabalho e gostei de o ouvir.

Na Antena 1, no Conselho Superior, disse qualquer coisa como isto:

Tudo o que mexe apanha (com o imposto). Aqui não há tangentes, há secantes (ou seja, ninguém "escapa à tangente").

Disse Bagão que é uma situação única do mundo, que devia vir no Guiness, essa de os pensionistas com rendimentos iguais ou superiores a 1350 euros pagarem mais imposto do que um activo com o mesmo rendimento...Uma violação grosseira do princípio da igualdade.

Disse isto e disse muito mais.

Na íntegra pode ser ouvido AQUI, em podcast.


Algumas vezes aqui o contestámos (aqui e aqui). Mas hoje o Bagão tem razão, excepto no facto de meter os estivadores no mesmo saco que os banqueiros. Mas fora esse pormenor, tudo bem.

Um buraco maior que o mundo

(Fotografia, tirada daqui)



Lido AQUI, no excelente blogue - e nada chato - Xatoo.

Já nos tínhamos dado conta deste buraco financeiro maior do que o mundo, aqui. Na verdade, não é um buraco colossal, é um abismo universal, um sorvedouro do rendimento dos trabalhadores, dinheiro ganho com o suor do rosto de mulheres e homens que trabalham diariamente e nisso se ocupam, alheios aos que nas suas costas fazem negociatas que os oneram,  porque como bem diz o Xatoo, "cerca de 75% da tributação entregue ao Estado provém de impostos colectados sobre os trabalhadores". Os contribuintes que trabalham estão por isso a ser convocados injustamente para tapar um buraco que não é da sua responsabilidade, com a conivência de governos por si eleitos, mas que, uma vez no "Poder" (entre aspas porque o poder já não mora ali), passam a servir outros interesses. São estes governantes, verdadeiros parasitas da democracia, porque se alojam no corpo do Estado e o sugam até ao tutano, sugando os rendimentos de quem trabalha, sugando o rendimento dos contribuintes, muito para além do que é razoável e justo. Aniquiladores do estado democrático, aniquiladores do Estado Providência, que cada vez mais, providencia menos, até definhar, como é da natureza dos corpos parasitados. E pior do que isso, é a própria democracia que definha.

***

Uma vez mais se impõem estas questões: quem são os responsáveis por esta situação? Quem é o responsável? Quem defendia um mercado auto-regulado, ou por outras palavras, um mercado desregulado? Quem venceu com a desregulação do mercado?

Já sabem agora os portugueses, o que é o neoliberalismo?

terça-feira, novembro 20, 2012

Bonança

      © AMCD

Tempestade

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domingo, novembro 18, 2012

A negação da negação


«Pedro Passos Coelho garantiu esta segunda-feira [junto a Merkel] que o caminho que está a ser seguido por Portugal, no que respeita ao processo de ajustamento, é “o único possível”.»  AQUI

***

E Passos Coelho insiste, insiste e insiste… desde que chegou ao Governo que nos confronta, sempre, com o discurso tatcheriano da suposta ausência de alternativas (Sócrates já o tinha feito, como referimos aqui). Muitos comentadores neoliberais alimentam este discurso do “não há alternativa”, e até Cavaco Silva aponta nessa direcção quando defende que Portugal só tem um caminho, muito estreito, para a saída da crise. Ou seja, encontramo-nos perante qualquer coisa inevitável como a morte.

Face a esta constatação brutal, alguns comentadores, na sua análise, aplicam agora com agrado e fé, o modelo de Kübler-Ross à sociedade portuguesa. Face à inevitabilidade dos sacrifícios e ao empobrecimento forçado, a sociedade portuguesa encontrar-se-á numa das cinco fases sequenciais do referido modelo que se aplica às pessoas, quando confrontadas com doenças terminais. São elas: negação, fúria, negociação, depressão e aceitação. Ou seja, de acordo com este modelo, a sociedade portuguesa acabaria, como se de uma pessoa em estado terminal se tratasse, por, mais tarde ou mais cedo, aceitar os sacrifícios que lhe são impostos, deixando por fim de lutar. As reacções violentas e as manifestações de repúdio às medidas orçamentais corresponderão, segundo alguns comentadores, já à fase da manifestação da fúria, outros referem ainda que estamos na fase de negação, uma vez que a peleja ainda não assumiu uma maior virulência. Mas, mais tarde, pensam esperançosamente alguns, a sociedade amansará, depois de um longo período de depressão e por fim, como dissemos, submeter-se-á.

Ora a psicologia parece que está na moda. Merkel na sua breve visita lembrou que “a política económica é 50 por cento psicologia”, e o jornalista Perez Metelo pegou na deixa e concluiu, por sua vez, que a visita de Merkel a Portugal foi, na verdade, 100% psicologia. A questão é então a seguinte: como poderemos escapar a esta ditadura da psicologia e também à outra, a que dita que não há alternativa?

Ao relermos um capítulo da obra de Bento de Jesus Caraça, Conceitos Fundamentais da Matemática, deparámos, por acaso, com uma resposta, na seguinte passagem a propósito da necessidade de criar um novo campo numérico – o campo racional -, visando a resolução de problemas até então insolúveis:

Uma generalização passa sempre, por consequência, pelo ponto fraco de uma construção, e o modo de passagem é a negação da negação; tudo está em determinar e isolar, com cuidado, esse ponto fraco. O campo desta operação não se limita às ciências matemáticas; ele abrange não só as denominadas ciências da natureza como as ciências sociológicas; duma maneira geral, pode dizer-se que – onde há evolução para um estado superior, é realizada a negação duma negação.

Bento de Jesus Caraça,
  Conceitos Básicos da Matemática, Gradiva, 1998. Pág. 37

Percebemos bem? A sociedade portuguesa está em negação? Pois é preciso passar a um estado superior, nem que seja criando uma coisa nova, como fizeram os matemáticos com o campo racional, e romper de vez com essa generalização da “alternativa única”, que nos querem impor irracionalmente. Como? Negando a negação e encarando a realidade de frente. Não dar sequência a esse modelo funesto da cientista Kübler-Ross. Que coisa nova seria essa? Por exemplo, uma saída do Euro, ou, uma resposta educada à Sr.ª Merkel para que ficasse ela com a tranche que nos garantiu que viria, e que a guardasse onde bem entendesse, que nós por cá nos governaríamos, para bem ou para mal, como fizemos sempre ao longo de quase 900 anos. Isso sim, seria corajoso! Seria trágico? Talvez. O céu cair-nos-ia em cima da cabeça? Talvez. Mas sempre ouvimos dizer e acreditamos que mais vale morrer de pé do que viver de joelhos. E assim, também essa última fase do modelo da senhora Kübler-Ross ficaria comprometida na sua realização. Em vez de aceitação, luta! Luta sempre, até ao fim!

sexta-feira, novembro 16, 2012

No domingo passado

Enquanto faiscam relâmpagos, ribombam trovões e o vento vergasta as figueiras. Enquanto a chuva ataca violentamente os telhados da velha aldeia que me alberga aqui na serra algarvia, recordo com agrado o "passeio dos tristes" do domingo passado. Venham outros assim.

       © AMCD

Naquele banco, ali à direita na fotografia, li na Errata Steiner arrasar essa velha ideia de que somos todos condicionados ora pela genética, ora pelo ambiente, como se fossem coisas distintas. A passagem é esta:

“Os genes, a hereditariedade ou os acidentes físico-psicológicos são o ambiente. Uma criança cega de nascença não será uma grande pintora. Uma criança que seja fruto de gerações de subnutrição ou que nasça num albergue de malária, está «condenada» por um ambiente herdado, por «bioconstrangimentos» ambientais. A verdade é que a interacção é indissociável. A biologia é ambiente: o ambiente é biologia. É de uma confrangedora hipocrisia pensar doutro modo.”

George Steiner (1997)
 Errata: revisões de uma vida. Relógio D’Água, 2009, p. 138.


Lembrei-me de Ortega y Gasset, do seu “eu” e da sua “circunstância”. Não quereria dizer ele o mesmo?

«Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo.»

Ortega Y Gasset (1914),
Meditaciones del Quijote, Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, Madrid, 1914, p.43-44.

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quinta-feira, novembro 15, 2012

Também eu, acuso!

          Foto de Nuno Fox, daqui


Francisco Oneto, aqui, no Maio Maduro Maio. Sempre excelente! (os destaques são nossos)

Também eu acuso, embora com pesos diferentes. Aos lacaios que nos lideram, acuso-os com mais veemência. Faltou-lhes a visão, ou moveram-se pela traição (mas nisto nem quero acreditar), e por isso caímos na submissão doutros que viram mais além e melhor defenderam os seus interesses e os dos seus países, egoisticamente, como nunca esperáramos, contra os nossos, nesta Europa em que embarcámos e que tinha por princípios a “solidariedade" e a "coesão”. Contudo, também essa maior visão, obsessiva e austeritária, que esses "iluminados" detinham e na qual ainda persistem, paradoxalmente, poderá tornar-se numa cegueira maior: a de não verem que a Europa poderá voltar, a prazo, à velha Europa.

A atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia, não foi descabido. Para que os europeus ocidentais se lembrem destes 67 anos de paz nos seus solos pátrios, conseguidos pela união e solidariedade entre os povos, contra os egoísmos nacionais.

"Isso não vai mudar nunca"

Manifestantes sindicais guardados por soldados em 1912, durante uma greve da indústria têxtil em Lawrence, Massachusetts.

«Não foi a minha primeira vez num contexto daqueles. Sei como é. É como é. A impotência dos manifestantes desemboca em provocação. E do lado da polícia aproveita-se o pretexto para manifestar a força, o poder, indiscriminadamente. Isso não vai mudar nunca. Ambos os lados são o espelho da mesma encenação.»

Vítor Belanciano

Lido aqui, no Georden. Originalmente daqui.

quarta-feira, novembro 14, 2012

“Proletarier aller Länder, vereinigt euch!”


VIVA A GREVE GERAL MULTINACIONAL!

É POR AQUI O CAMINHO.



Aquilo que, desde o início, tornou verdadeiramente espectral o comunismo ascendente e lhe conferiu a força de atrair a si os reflexos paranóicos dos seus adversários, foi a sua capacidade, cedo reconhecida, de ameaçar de destruição o status quo vigente." 

(…)

“Ironicamente, o banco mundial da ira comunista alcançou o seu mais significativo êxito sob a forma de um efeito secundário não intencional. Ao acumular um poderosíssimo potencial político e ideológico, ajudou os seus adversários de outrora, os sociais-democratas ocidentais, a alcançar o ponto mais alto da sua eficácia histórica. Facilitou aos partidos socialistas moderados da Europa a tarefa de obrigar os dirigentes liberais e conservadores a fazer uma quantidade nunca vista de concessões na distribuição da riqueza e na organização das redes sociais. Foi uma situação como esta que tornou plausível a passagem para o controlo do Estado de largas fatias das indústrias nacionais, nomeadamente em França e na Grã-Bretanha.

Peter Sloterdijk (2007), “Os novos frutos da ira: pós-comunismo, neoliberalismo e islamismo” in O Estado do Mundo, 2ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007, pág. 195-196.

***

A articulação sindical multinacional é um elemento chave para que os sindicatos e os trabalhadores voltem a adquirir a força que perderam na recomposição de poderes verificada desde a decadência dos regimes comunistas do Leste da Europa. Com a queda da “cortina de ferro” deixou de existir uma alternativa materializada do outro lado. A sua existência, por si só, tornava o patronato e os governos liberais e conservadores do lado de cá, mais dóceis, mais propensos à negociação e à cedência, receosos de eventuais reviravoltas políticas.

Sindicatos isolados nacionalmente, no actual contexto de globalização, já não funcionam com eficácia e perdem gradualmente força, como se tem vindo a verificar. É que a actual economia já não se cinge às fronteiras nacionais, ou seja, a economia mundial já não corresponde ao somatório das economias nacionais. Vivemos já na era da economia global. Nunca como hoje fez tanto sentido o chavão marxista: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” Caso tal união falhe, então será o fim das relações laborais tal como as conhecemos. Aguardar-nos-á uma espécie de neofeudalismo, onde a maioria passará a ser a classe servil, ou, no pior cenário, caminharemos para o mundo dos “jogos da fome” – um mundo cada vez mais polarizado entre uma minoria usurpadora e uma maioria escrava que a alimenta e entretém.

domingo, novembro 11, 2012

No dia em que morreu Amaya Egaña

       © AMCD

Próximo de Ayamonte há uma pequena vila piscatória chamada Punta del Moral e junto a ela foi construída uma “cidade” fantasma que permanece a maior parte do ano vazia. Não é a única cidade fantasma nas imediações de Ayamonte. Não é a única cidade fantasma de Espanha. Quando calcorreamos as ruas da nova Punta del Moral, não nos deixamos de questionar acerca do enorme investimento bancário realizado, do dinheiro dos depositantes enterrado naquilo, da bolha imobiliária, do buraco colossal criado pelos bancos que agora os contribuintes vão ter de tapar, da nacionalização de bancos que estão na bancarrota. Falidos nunca estão: os bancos são demasiado importantes para falir, dizem os acólitos do mercado auto-regulado – caprichosamente as leis do mercado, tão defendidas pelos seus teólogos, não se aplicam aos bancos. Nacionalizam-se os bancos – por exemplo, o Bankia - e pagam as despesas os contribuintes, para bem dos accionistas.

Em Punta del Moral, os edifícios vazios sucedem-se uns aos outros, cada qual com dezenas de apartamentos vazios. E assim passeámos em Punta del Moral, no dia em que Amaya Egaña, 53 anos, funcionária do Bizkaibus, um serviço interurbano de autocarros de Biscaia, se atirou de um quarto andar, à chegada de uma equipa judicial, que a mando de um qualquer juiz e a pedido de um qualquer banco (a notícia, aqui, não diz, depreende-se), se preparava para proceder a mais uma ordem de despejo.

É que os bancos não podem falir, são demasiados importantes, dizem. As pessoas podem.

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sábado, novembro 10, 2012

Monte Gordo, hoje

       © AMCD


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Os céus continuam carregados e sombrios, mas o mar está calmo. Enquanto lanço os olhos ao jornal, na esplanada, junto ao areal, outros lançam o olhar ao horizonte enquanto aguardam os raios de sol. Velhos casais rendidos aos lugares onde outrora, possivelmente, foram felizes. Naquele Verão da vida, que agora procuram, mesmo neste Outono invernoso. Talvez o tenham encontrado. Velhos casais felizes. 

Mesmo no Inverno da vida não deixamos de procurar o Verão da vida, ou a ilusão desse tempo. Regressamos aos lugares onde fomos felizes. Regressamos, por vezes, vezes sem conta. Também fui feliz aqui. E sou, de certa maneira, mas já começam a pesar as recordações doutros tempos mais felizes. Estou a ficar velho.

sexta-feira, novembro 09, 2012

A doença infantil de certos portugueses*


Eu quero lá saber das ideias da Isabel Jonet. Ela que continue trabalhando, o resto (o que diz, o que pensa, o que sente) não me interessa. Interessa-me o que faz. Se ela pensa, fala e sente como a “tia Jonet”, problema dela. Só lhe fica mal, mas enfim, é a Jonet.

E em relação à chanceler Merkel e aos queixumes dirigidos à mesma, que já se avolumam em manifestação, espantam-me. São um sinal de infantilidade perante alguém que pugna pelos interesses do seu país, que é para isso que ela o lidera. É porém verdade que a política da Merkel pode conduzir-nos à velha Europa das rivalidades nacionais exacerbadas (mas rivalidades nunca deixaram de existir, não sejamos ingénuos). A velha Europa regressará (e não me venham dizer agora, que esta foi sempre a velha Europa, porque é preciso conhecer a história da Europa pré-1945 ou pré-1957, para saber o que era a velha Europa), se a nova Europa deixar. Repito: a velha Europa regressará, se a nova Europa deixar. E entre os que defendem a nova Europa, estão também muitos alemães. Por isso, o problema não é a Merkel nem os alemães, mas os que a ela se submetem caninamente.

Fizessem o mesmo os que nos lideram e lideraram, pelo nosso País, ou seja, tivessem defendido acerrimamente os interesses de Portugal e da nova Europa, em vez de ir visitar a Merkel, de braço estendido e implorando, como fizemos aqui referência, e hoje não estaríamos submetidos a tão triste espectáculo. Ou simplesmente, não estaríamos submetidos.

A culpa não é da Merkel, é nossa, ou melhor, daqueles que tão mal nos lideraram e lideram.

Disse.
_______

(*) - Isto para evitar o termo, “a doença infantil de uma certa Esquerda”, que aqui não há hemiplegias morais – vide o post inaugural deste blogue.

quarta-feira, novembro 07, 2012

Por cá vivem-se dias cinzentos e tempestuosos




Facto que não demove uma passeante e um marisqueiro, que trabalha duramente,...


...nem um fotógrafo, amador e amante de tempestades.

Mas em Novembro há dias assim e, por vezes, em Dezembro, assim

Inconstâncias de um clima mediterrânico.

"Play it again" Obama, but...

(imagem da CNN)

(imagem da CNN)

Obama venceu. É sinal para dizer “play it again” Obama, mais quatro anos na Casablanca. Antes ele que Mitt Romney. Mas não nos esquecemos da posição de Obama em relação à proposta francesa de aplicação da taxa Tobin a nível global, que aqui denunciámos. Não nos esquecemos também, que nos EUA e durante o seu mandato, a classe média americana (85% da população americana, como bem nos lembra a jornalista Márcia Rodrigues, numa excelente peça) foi cada vez mais espremida nos seus rendimentos, ao mesmo tempo que Wall Street prosperava.

Mas não nos deixa de surpreender a fragilidade do discurso do movimento Occupy Wall Street: o tal discurso do “nós, os oprimidos, somos 99% e vocês os super-ricos, que nos oprimem, apenas 1%”, quando verificamos que, afinal, tal balanço não se reflecte na distribuição dos votos entre os candidatos. Obama consegue cerca de 59 500 000 votos (52%) e Romney cerca de 57 000 000 de votos (48%). Então o “nós somos os 99% e vocês o 1%”, reflecte-se nisto? É certo que a propaganda eleitoral americana, em particular a conservadora, é poderosa. Mas será ela a responsável pela traição e ludíbrio de muitos dos que dizem pertencer aos 99%, e que afinal, foram votar no candidato claramente pró-Wall Street?

Sabemos que o partido de Wall Street joga em dois tabuleiros, não somos ingénuos, mas era nítido que um dos candidatos – Mitt Romney - era claramente o candidato pró-Wall Street, um conservador super-rico, um accionista de muitas empresas, envolvido com o mercado financeiro. Pelos vistos, parece que entre os que dizem pertencer aos 99% há muitos que defendem, por equívoco ou convicção, os tubarões de Wall Street.

O Presidente dos EUA e também, é bom lembrá-lo, Prémio Nobel da Paz, é um homem poderoso, mas não tão poderoso assim. O seu poder acaba onde começa o poder de Wall Street, o poder dos Conservadores, que mantiveram a Câmara dos Representantes, o poder do Tea Party, o poder dos 1%... que não é só 1%.

O Presidente dos EUA, assim como os presidentes de todos os outros Estados, são cada vez menos poderosos. O poder está cada vez mais noutro lado, e não é no lado da democracia.

sábado, novembro 03, 2012

Golfinhos no Tejo

                                                                                                                                         © AMCD
Já sei, já sei, que me perdoem os que se sentem ludibriados: "ce ne sont pas les dauphins".

São representações de golfinhos, pois claro.

sexta-feira, novembro 02, 2012

O mercado e a Constituição

O mercado e o contrato funcionam exactamente ao contrário um do outro e, de facto são duas estruturas reciprocamente heterogéneas.”

Michel Foucault, Nascimento da Biopolítica, Edições 70, 2010, pág. 342



Sempre que vemos aflorar o desassossego dos neoliberais – esses que querem pôr as leis do mercado a reger as relações sociais - com a Constituição, vem-nos à memória as palavras supra-citadas de Foucault sobre o antagonismo entre o mercado e o contrato. O mercado sempre foi avesso ao contrato e ao plano, e vice-versa. O mercado, ou os mercados, são volúveis, instáveis. Uns dias animam-se para logo de seguida, desanimarem. As cotações bolsistas oscilam, ora subindo, ora descendo, conforme os dias e os ventos que sopram. Nos mercados o lucro é perseguido a curto prazo, pois a longo prazo, dizem, estaremos todos mortos. E na verdade, os que tanto perseguem o lucro querem-no o mais rapidamente possível, pois sabem que mais tarde poderão já cá não estar.

As sociedades são mais lentas na mudança, as instituições apresentam um elevado grau de inércia e as suas próprias regras contratuais ou tácitas, as suas constituições, a Constituição, as tradições, etc. são por sua vez avessas ao funcionamento do mercado auto-regulado (que é o mesmo que dizer desregulado, porque a coisa não se regula a si mesma e por si só, e parece que assim será até ao fim dos tempos, quer queiramos, quer não). Assim, esses que tudo querem ver regido pelas leis do mercado, têm pela frente a inércia das instituições – sejam elas as religiões com os seus feriados religiosos, seja a Constituição, sejam as famílias ou até uma instituição tão simples como a da siesta, aqui na próxima mas não próspera Andaluzia. A Igreja, por exemplo, parece ter só agora percebido que errou ao permitir inscrever na Lei secular a palavra “supressão” dos feriados. Suplica agora, arrependida, ao ver o erro que cometeu - e talvez tarde demais - para que se substitua a palavra “supressão” por “suspensão”. Mas, ainda assim, parece não ter percebido que para os mercados o ideal seria que não existissem quaisquer feriados, santos ou não, e que se suprimissem ainda os sábados e os domingos rituais, e as igrejas, e a Igreja. E podíamos ainda acrescentar a sinagoga e a mesquita e as religiões respectivas e outras, das mais antigas instituições do planeta. A fábrica, a máquina, o mercado, não se compadecem, por exemplo, com suspensões ou paragens, cinco vezes por dia, para que os trabalhadores islâmicos mais devotos possam sair temporariamente para orar a Alá.

***

E isto tudo para dizer que a Constituição é uma espécie de contrato que põe em causa o livre funcionamento dos mercados, em rédea solta, como querem os teólogos do mercado.

quinta-feira, novembro 01, 2012

Outra vez o Bagão, (agora no programa do Mário Crespo)

Ontem, no programa “Jornal das 9” da SIC Notícias, Mário Crespo (nem sei como ainda tenho pachorra para o ver) recebeu Hélder Rosalino, Secretário de Estado da Administração Pública, e antes da intervenção do Secretário de Estado, lá decidiu introduzir uma peça antiga, de 2010, em que o então Ministro das Finanças e da Administração Pública, Bagão Félix, argumentava falaciosamente que cerca de 70% da população portuguesa estaria de alguma forma dependente, directa ou indirectamente, do Estado (!). A dita peça pode ser vista, ainda que cortada em partes essenciais, que alguém quis esconder, AQUI.

Onde está a falácia? Está no facto de Bagão ter omitido que, na verdade, também o Estado depende dos que para ele trabalham e não só. O Estado, por exemplo, depende tanto do polícia, do professor, do juiz, da enfermeira, do militar etc., como estes daquele. Estes homens e mulheres vendem o seu trabalho ao Estado, exactamente porque o Estado precisa deles e não necessariamente o contrário, como argumentava o “brilhante” Bagão. Aliás, até os pensionistas, noutros tempos, quando trabalhavam e descontavam, também o Estado precisava deles e é por isso que agora têm direito à justa pensão. Mais, alguns dos que realmente dependem, ainda que de forma indirecta, do Estado, como as crianças ou os estudantes, também desses um dia o Estado precisará, ora como contribuintes, ora como funcionários ora como futuros cidadãos.

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