sábado, março 30, 2013

Marques Mendes na TV e o Estado de Emergência


Foi a primeira vez que o vimos e ouvimos, atentamente, no seu papel de comentador.

As palavras “acho que” repetidas até à exaustão, causam náuseas! Mas deixemos estas questões de forma e passemos à substância. Deparámos logo com a desonestidade intelectual quando afirmou que Sócrates na sua última intervenção na TV só falou do passado: Sócrates tentou abordar o presente e só não o fez mais porque os entrevistadores não o conduziram nesse sentido. Ele bem se queixou disso – ficou-se pela primeira “medida”, “parar com a austeridade já” e ia enumerar mais - mas os jornalistas disseram-lhe que teria em futuras intervenções, oportunidade para abordar o presente. Marques Mendes não atentou nisso?! Mas deixemos Sócrates e concentremo-nos em Marques Mendes.

Marques Mendes sublinhou, por duas vezes, a ideia de que estamos em Estado de Emergência. Há quem julgue que se repetir uma mentira muitas vezes ela se torna uma verdade. Era bom que ele definisse isso do Estado de Emergência muito bem. A ideia de que estamos num Estado de Emergência é muito conveniente para se justificar a tomada de medidas excepcionais. Não admira pois que alguns queiram criar na opinião pública e nas consciências dos portugueses essa ideia. Os que a acalentam pretendem preparar o terreno (as consciências) para que vinguem todo o tipo de medidas inconstitucionais a tomar futuramente, para além das que foram já tomadas: medidas de desespero e de assalto, como é sabido. Os estados de emergência integram-se nos estados de excepção, nos quais se suspende a Lei geral, a Constituição, para se tomarem medidas excepcionais. É a circunstância do homo sacer, de que fala o filósofo italiano Giorgio Agamben. Já abordamos o assunto aqui.

Não estamos em Estado de Emergência coisa nenhuma! Estamos num Estado de Direito, e num Estado de Direito cumpre-se a Constituição. Num Estado de Direito ninguém está acima da Lei, nem o Presidente, nem o Governo, nem o comum dos mortais. Ninguém!

Enfim, foi a primeira vez que vimos e ouvimos Marques Mendes no seu papel comentador. Provavelmente será a última.
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P.S. - Sugere-se a leitura do artigo 19.º da Constituição da República Portuguesa. AQUI.

sexta-feira, março 29, 2013

Madonna dei Palafrenieri

       Caravaggio, Madonna dei Palafrenieri, 1606, Galleria Borghese, Roma

quinta-feira, março 28, 2013

José Sócrates na TV


Cortina de fumo. Manobra de diversão. Desvio de atenção. Todas as câmaras nele incidem a objectiva. Todos os olhares do nosso pequeno mundo... Enquanto isso, noutro lado, prepara-se o nosso fado.

E repare-se, até nós aqui, já estamos a falar dele. Enquanto isso, noutro lado, prepara-se o nosso fado.

Quem beneficia com este desvio das atenções? Belo entretenimento, este.

Como diz Correia Pinto no seu Politeia, “Há fome, há desemprego, há muita coisa má…mas há festa no intervalo da sopa dos pobres.” Pois é. O circo está montado.

As atenções que sobre ele recaíram ontem à noite, fazem lembrar aquela curiosidade mórbida, tão portuguesa, que nos faz abrandar o automóvel quando há um acidente no outro lado da via, só para ver a chapa amassada e os acidentados. Pois bem, no que me toca, é quando acelero mais. Sócrates é passado e não quero vê-lo pela frente, lá para os lados do futuro.

Ele bem preparou o terreno para que estes agora viessem semear a fome, o desemprego e muita coisa má. Aquilo a que muitos chamam austeridade e que é um roubo, na verdade.

quarta-feira, março 27, 2013

A confiança


A confiança desbaratada por todo o lado. Grande Europa!

segunda-feira, março 25, 2013

Renascer


Se eu deixar de aparecer e não souberes de mim,
sê paciente, espera
e não te inquietes a pensar no fim.
Eu hei-de renascer na Primavera
como a folhagem do jardim
e a luz que se derrama na cidade
de Lisboa ao respiro da liberdade.

Escusas, pois de tentar bater-me à porta
ou de deixar mensagem
no telemóvel, que eu fui de viagem
e o resto não me importa.

Torquato da Luz, Espelho Íntimo, O Cão Que Lê, 2010, pág. 30.

Até sempre Torquato da Luz.

domingo, março 24, 2013

Imperialismo e hegemonia


Este sábado Fernando Madrinha, no Expresso, empregou um termo que considera forte, ao analisar a realidade da União Europeia, mas que se vai tornando cada vez mais claro, que é nesse sentido que estamos a caminhar. Pouco a pouco vamos ganhando consciência daquilo em que nos metemos. Diz ele:

O termo imperialismo pode parecer forte, mas ajusta-se cada vez mais à caracterização das relações Norte-Sul no interior da União Europeia, pois é patente o propósito de tratar os países mais fracos como o Império Romano e já antes a República tratava os estados clientes, que embora subjugados, mantinha as suas elites dirigentes, obviamente fiéis e obsequiadoras.”

Fernando Madrinha, Expresso, 23 de Março de 2013. Primeiro Caderno, Pág. 15.

Fernando Madrinha está certo no termo que emprega, mas recuou demais na história: não era preciso ir tão longe. É certo que o imperialismo é uma velha tradição na Europa, mas os últimos impérios europeus foram sucumbindo ao longo do século XX e não é preciso recuar até aos tempos do Império Romano para encontrarmos as práticas da dominação e hegemonia do Norte sobre o Sul (ou do “centro” sobre a “periferia”). A ironia de tudo isto é que Portugal foi um dos últimos países da Europa a perder o seu império colonial e, num ápice, se converteu em semiperiferia, sendo agora alvo do mesmo tipo de tratamento que antes era dado aos Estados que se pretendiam colocar sob a dependência de algum “centro” mais distante.

É claro que as elites dirigentes e obsequiadoras, de que fala Madrinha, continuam a ter um importante papel ao serviço, não do povo que dirigem, mas dos Estados hegemónicos. São as elites dirigentes que asseguram a hegemonia pelo consentimento de que fala Gramsci.

Epílogo

sábado, março 23, 2013

Crise


A crise, já o dizia Gramsci, dá-se quando o mundo antigo ainda não morreu e o novo ainda está para nascer.”

Jacques Adda, A mundialização da economia, Vol. 1: Génese, Terramar, 1997, pág. 73

sexta-feira, março 22, 2013

Condenados ao desentendimento

Merkel avisa Chipre: «Não ponham à prova a paciência da troika»


Parece que os homens estão condenados a não se entenderem. Babel repete-se, vezes e vezes sem conta. O projecto europeu não é mais do que um edifício babélico, um edifício inacabado que corre o risco de desabar a qualquer momento. Aliás, o mundo já é uma Babel em potência: a globalização transformou a Terra numa imensa torre de Babel. Uma confusão de línguas, culturas e civilizações que se entrechocam como placas tectónicas em tensão, umas contra as outras. Se a lição bíblica estiver correcta, então estaremos para sempre condenados ao desentendimento.

Inocentes pelos braços

       Gaza. Fotografia do Ano 2013 da World Press Photo.   Autor: Paul Hansen

       Alepo, 15 de Março de 2013, pai e filho.               Autor: Tomada Sebastiano

       Islamabad, 20 de Março de 2013.               Autora: Zohra Bensemra

Inocentes pelos braços

Pelos braços transportados,
Pelos braços levados,
Pelos braços abraçados.
Inocentes!

Este é o veredicto do mundo que observa,
Sem querer saber dos culpados.

quinta-feira, março 21, 2013

Porque hoje é Primavera e Dia Mundial da Poesia


Hoje, pleno dia de Primavera e Dia Mundial da Poesia, deixo aqui um poema que alia o melhor destes dois mundos. É de um amigo da blogosfera que já não aparece há cerca de cinco semanas, mas que disse um dia que não nos inquietássemos com a sua ausência, se fosse demorada, pois provavelmente estaria em viagem e que renasceria na Primavera como a folhagem do jardim e a luz que se derrama na cidade de Lisboa ao respiro da liberdade.

Fica então o poema de Torquato da Luz, autor do blogue Ofício Diário.

Primavera

Tudo o que sempre quis foi conhecer
um a um os mistérios do teu rosto
e sem medos nem pressas percorrer
os recantos secretos do teu corpo.

Tudo o que sempre quis foi recolher
ao abrigo seguro do teu porto
e para sempre aí permanecer
sem sombra de pecado ou de desgosto.

E agora que te tenho, Primavera,
quero que sejas minha por inteiro
após longa e dolorosa espera,

pois consegui furar o nevoeiro
e de todo esquecer-me de quem era,
meu amor de raiz, amor primeiro.

                              Torquato da Luz, Espelho Íntimo

terça-feira, março 19, 2013

Patuleias

Todos nós temos visto homens de noventa anos morrer aos vivas a determinada Patuleia que os fez vibrar. A dita Patuleia já no cisco da História, e eles ainda com aquele sonho no coração!


Miguel Torga, Diário II, 3ª edição revista, Coimbra, 1960, p. 131

Caramba! Nunca é tarde para uma Patuleia!

domingo, março 17, 2013

A lendária maratona de Engadine

REUTERS/Michael Buholzer

                                                                      PETER KLAUNZER/EPA/MAXPPP/PETER KLAUNZER/EPA/MAXPPP

sábado, março 16, 2013

O “corralito” cipriota e a Primavera



A questão que cada vez mais se coloca é a seguinte: para quando uma Primavera Mediterrânica? A continuarem assim as “políticas de austeridade” e a miopia política dos dirigentes, será apenas uma questão de tempo. A outra, a Primavera Árabe, começou quando Mohamed Bouazizi se imolou pelo fogo. Quase todo o sul do Mediterrâneo, de Tunes a Damasco, se agitou e agita ainda nalguns lugares. Só faltava agora que outro fogo de Primavera alastrasse aos países da margem norte do “Mar no Meio da Terra” pelos quais já passa a linha de demarcação da pobreza. E assim, num ápice, passámos do Norte ao Sul do mundo, na geografia flexível da globalização.

Chegaram os "corralitos".

No bom caminho



É a "constância na persistência", diz o ministro Gaspar.

Enfim, isto já nem tragédia é. É uma trágico-comédia à qual é preciso pôr termo o mais rapidamente possível.

sexta-feira, março 15, 2013

O pensamento económico encurralado


Uma agenda económica para o crescimento, eis a solução, dizem eles (Barroso incluído). Todos eles. Da direita à esquerda (deixemos agora a hemiplegia moral do Ortega y Gasset). Até a esquerda se deixou encurralar pelo pensamento do crescimento-económico-que-não-vem-e-que-é-preciso-que-venha-para-que-se-gere-emprego. Primeiro crescimento, depois emprego. O crescimento precede sempre o emprego nos discursos dos políticos e da ortodoxia económica vigente. Aguardamos portanto o crescimento que não vem, como quem aguarda por Dom Sebastião. Eis onde está o actual pensamento económico encurralado. O mesmo reduto do qual não conseguia sair no final dos anos 20 do século passado. O resultado é conhecido: a Grande Crise Económica de 1929, com prolongamento na década seguinte.

Como é que se sai deste reduto de pensamento?

Pois bem, e sem mais delongas: ao invés de uma agenda económica para o crescimento, é necessária uma agenda social para o emprego. A criação de emprego em primeiro lugar. O crescimento económico que venha depois.

Na realidade, o grande desafio dos tempos que atravessamos consiste na criação de emprego em contexto de recessão. Soa a quimera, não?! A verdade é que o crescimento por si só, não é garante de criação de emprego, como muitos nos querem fazer crer.

Houve épocas, na história, em que o crescimento não foi acompanhado pela geração de emprego. Houve épocas em que foi o emprego o gerador do crescimento.

segunda-feira, março 11, 2013

sábado, março 09, 2013

É uma escola sob uma ponte

Altaf Qadri / AP
Uma escola sob uma ponte. AQUI.

Da mesma forma que um antigo general grego afirmou, e bem, que uma cidade são os seus cidadãos, podemos afirmar que a essência da escola são os seus alunos e professores e as relações pedagógicas que entre eles se estabelecem. Ou melhor, a essência da escola é a relação entre quem aprende e quem aprende. Todos aprendem. Aprende-se a aprender e aprende-se a ensinar.

É uma escola sem dúvida. Não é a Escola de Atenas, mas é uma escola. Podia ser à sombra de uma árvore, numa palhota ou numa praia...

Platão, contudo, fundou a Academia num lugar mais aprazível, mais dado à reflexão, numa área arborizada nos arredores de Atenas, junto ao túmulo de Academo.

Já esta escola está muito distante de Atenas, embora exista uma ténue ligação entre elas.

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P.S. - Levado ao extremo, este é o sonho dos neoliberais que nos governam: uma escola livre, sob uma ponte, sem quaisquer custos para o Estado.

O comandante embalsamado


Pobre comandante idolatrado,
O teu corpo, embalsamado,
E não em cinzas cremado
e no Orinoco libertado.
(Como por certo desejarias)
Ou simplesmente, sepultado.

Que gente é esta que idolatra restos mortais
Como se isso importasse mais que imorredouros ideais?
(Que por certo defendias)

Ignaros é o que são!

O teu corpo já serviu
E brilho já não tem.
Será apenas uma imagem,
Exibida à passagem
Numa urna de cristal.

Para sempre exposto num mausuléu
Para consumo de massas e romarias,
E turistas noutros dias.

É o culto da imagem.
E ainda lhe chamam homenagem...

Triste fado,
O do comandante empalhado.

terça-feira, março 05, 2013

Da legitimidade

As political systems develop, recognition is transferred from individuals to institutions—that is, to rules or patterns of behavior that persist over time, like the British monarchy or the U.S. Constitution. But in either case, political order is based on legitimacy and the authority that arises from legitimate domination. Legitimacy means that the people who make up the society recognize the fundamental justice of the system as a whole and are willing to abide by its rules. In contemporary societies, we believe that legitimacy is conferred by democratic elections and respect for the rule of law.


Francis FukuyamaThe Origins of Political Order: From Prehuman Times to the French Revolution, Farrar, Straus and Giroux2011, p. 56 

Tradução livre:

«À medida que os sistemas políticos se desenvolvem, o reconhecimento é transferido dos indivíduos para as instituições – ou seja, para regras e padrões de comportamento que persistem no tempo, como a monarquia britânica ou a Constituição americana. Mas em ambos os casos, a ordem política é baseada na legitimidade e na autoridade que brota da dominação legitimada. Legitimidade significa que as pessoas que compõem a sociedade reconhecem a justiça fundamental do sistema no seu todo e estão dispostas a respeitar as suas regras. Nas sociedades contemporâneas, acreditamos que a legitimidade é conferida por eleições democráticas e pelo respeito pelo Estado de Direito.»

***

A legitimidade de um governo deixa de existir quando se estabelece um estado de excepção infundado aos olhos dos cidadãos, em detrimento do Estado de Direito, ainda que esse governo se tenha constituído pela via de eleições democráticas. O desrespeito por direitos e garantias constitucionais por parte de um governo é motivo suficiente para que se considere que este tenha perdido a legitimidade.

Hasta siempre, Comandante Hugo Chávez.

Hugo Chávez (1954-2013)

Uma amabilidade de viagem


Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros, uma amabilidade de viagem.

Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego

domingo, março 03, 2013

Mais um importante sinal foi dado.

Manifestação "Que se lixe a troika", Faro.


Seria bom que a troika e o Governo deixassem agora de tratar os cidadãos com desprezo e cinismo, ou como simples números, quando anunciam as suas sinistras medidas disseminadoras de desemprego, insegurança e desespero. Seria bom que atentassem nos sinais. Hoje cantou-se a Grândola Vila Morena. A democracia está viva e não se limita às urnas. Melhor ainda seria que a troika e o Governo se fossem embora de vez e o Presidente convocasse novas eleições. Está preocupado com o prestígio nacional? Pois o prestígio nacional neste momento é irrisório. Ninguém nos respeita lá fora porque não nos respeitamos. Quem se coloca numa posição de subserviência não se respeita a si próprio e Portugal encontra-se nessa posição, devido às decisões dos políticos que nos governaram e governam.

Mas atenção, saiba a troika e o Governo que este povo de “brandos costumes” que hoje cantou a Grândola do pacífico Zeca, é também o povo que tem inscrito no seu Hino apelos às armas e marchas contra elas. Não é um povo tão brando assim, e os historiadores sabem-no bem.

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