domingo, junho 30, 2013

Miguel Sousa Tavares, os professores e os romances

A embirração de MST com os professores nem merecia uma reacção (ele serve-se das reacções que suscita para depois se vitimizar nos palcos mediáticos que tem ao seu dispor como o fez no Expresso deste sábado). É um opinion-maker à procura de opinion-takers.

Acerca dos romances que escreve, assim como os romances que escrevem outros jornalistas e pivots de telejornais deste nosso pequeno mundo, também eles muito críticos em relação aos professores, aplicam-se as palavras de Alexis de Tocqueville na sua Democracia na América:

…nas nações democráticas, um escritor pode gabar-se de obter sem dificuldade um renome medíocre e uma grande fortuna. Para isso, não é necessário que o admirem, bastando tão-somente que o aprovem. A turba sempre crescente dos leitores e a sua necessidade contínua de novidades asseguram a venda de livros que de modo nenhum estimam. (…) As literaturas democráticas abundam sempre desses autores que não vêem nas letras mais que uma indústria, e, por um punhado de grandes escritores que aí se vislumbram, podem contar-se aos milhares os vendedores de ideias.
Alexis de Tocqueville, Democracia na América, Cap. III.

Eles estão longe, muito longe, de fazer parte daquele punhado de grandes escritores dos tempos democráticos a que se refere Tocqueville. E como muito provavelmente não obtiveram a aprovação que esperavam dos professores, não os aprovam. Os professores que tenham paciência.

No princípio eram as agências de "rating".

No princípio eram as agências de rating. Era necessário fazer subir os juros da dívida pública. Era preciso atacar os elos mais fracos de um espaço monetário com problemas genéticos e ao qual não correspondia qualquer união política, um espaço politicamente dividido, um espaço enfraquecido. Animadas não se sabe por que sopro, decidiram actuar. A sua autoridade e o seu poder residem tão só na credibilidade cega que os especuladores, grandes e pequenos, lhe dão. Em função dos ratings por elas atribuídos às empresas e países (à suposta capacidade de estes pagarem as suas “dívidas soberanas”), os especuladores redireccionam e reorientam os fluxos de capital financeiro para lugares que lhes asseguram, segundo acreditam, os mais elevados retornos. Esses fluxos de capital financeiro determinam hoje a graça e a desgraça dos povos. É com o seu domínio e controlo que se preocupa cada vez mais a actual geopolítica e já não tanto com o comando dos territórios (Agnew, 2012: 3).

A atribuição de ratings pelas agências encerra um elevado grau de subjectividade, como aqui se refere. Os ratings são atribuídos não a partir da realidade vivenciada pelos povos, sociedades e nações, mas com base em fórmulas de duvidosa validade científica, ou com base em sabe-se lá o quê – são opiniões, diz-se aqui. Os “sábios” que estão por detrás dessas classificações, não são antropólogos, sociólogos, geógrafos, historiadores, etnógrafos, filósofos, etc., enfim, profundos conhecedores da realidade dos povos. São economistas e financeiros armados de números, folhas de Excel, preconceitos, ideologia, e embriagados na sua hubris - uma espécie de gasparzinhos.

Epílogo

Depois veio a troika, naquele belo dia de sol, e surpreenderam-se com o povo sossegado que encontraram nas esplanadas e com a pacatez de um país que devia estar em crise e que afinal não se comportava de acordo com as suas expectativas. Havia que fazer alguma coisa. O “deboche” não podia continuar.
 _____________________________________________

Referência

Agnew, John (2012), “Of canons and fanons”, Dialogues in Human Geography, 2012 2: 321

quinta-feira, junho 27, 2013

Oi?! Agora estão a descer, e depois a subir e depois... quem sabe?

Evolução dos juros da dívida a 10 anos no mercado (valores percentuais)


Gráfico surripiado DAQUI

É principalmente em função disto que o governo governa e decide. E depende mais o governo da evolução dos juros, do que a evolução dos juros depende do governo. Juros e decisões do governo comportam-se como duas variáveis independentes.

Os juros a 10 anos estão a subir (como podemos verificar, inverteram a sua tendência de descida desde meados de Maio, embora estejam a descer há duas sessões diárias - mas o que são dois dias?). Poderíamos perguntar: o que fez o governo para que tivesse ocorrido uma subida nos juros? A resposta é: nada! Da mesma forma que a anterior descida dos juros em nada se deveu às decisões do governo.

E assim andamos à deriva, a cavalo na oscilante taxa de juro. Um cavalo xucro que se assusta facilmente com as declarações de Draghi e de Bernanke.

sábado, junho 22, 2013

Obama and Putin staring



Dois anos disto

Dois anos de miséria mental.
Dois anos de miséria governamental.
Dois anos de miséria material.
Dois anos a afundar Portugal.

E pensar que ainda faltam mais dois…

Deixai…Hão-de solapar a sua própria base de sustentação.
Cairão com estrondo, se antes não abandonarem cobardemente o barco que os próprios ajudaram a afundar. É da natureza dos ratos.

***

Relativamente à cartilha ideológica que professam, só me surpreenderam por não terem baixado os impostos. Ao invés subiram-nos, em particular os que incidem sobre o trabalho por conta de outrem (IRS) e o imposto plano do IVA, um imposto cego aos níveis de rendimento – quero dizer, que tanto o pobre como o rico pagam por igual, caso adquiram o mesmo no mercado, sendo por isso o imposto mais injusto de todos. Mas a procissão ainda vai no adro. O processo continua. A descida de impostos far-se-á à custa de destruição do Estado social, e ela já começou. É a fase dois da marcha neoliberal para o abismo.

Pensar é morrer

O coração, se pudesse pensar, pararia.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego


Quem o diz é o Bernardo Soares.

Walking


sexta-feira, junho 21, 2013

A velha guerra e a nova guerra

O mundo está estranho. Não se conseguem vislumbrar sinais do que poderá estar para lá do horizonte imediato e do que está em aproximação. Não se consegue perceber o que se avizinha. Recordo que há um século atrás, na Europa, os impérios se armavam para uma guerra anunciada e estupidamente desejada. Marchou-se alegremente para a primeira guerra total da Era industrial, onde toda a glória da guerra romântica se apagou, para surpresa dos que, na pior das hipóteses, consideravam vir a ter uma morte gloriosa. Morreram na lama, gaseados e metralhados a grande distância. Foi a gloriosa guerra da metralhadora Maxim, uma máquina de matar. Produziu-se a morte em quantidades industriais, como manda a lei industrial das economias de escala – por cada morte produzida baixavam os custos médios de produção de morte.

Estamos longe desse tempo. Pelo menos assim parece. Hoje a guerra é financeira e económica e os territórios conquistados, com os seus povos, querem-se incólumes, até porque já se percebeu que não teriam qualquer préstimo se fossem destruídos. Da guerra romântica, à guerra industrial e desta à guerra silenciosa, eis ao que chegámos. Uma guerra que se imiscui insidiosa, que nos toma de surpresa, e um dia quando acordamos, perplexos constatamos que fomos conquistados, que nos tornámos um protectorado de um qualquer império de um imperador sem rosto. Um imperador que domina vastos territórios e o destino de povos inteiros, só com o poder de especular em Wall Street e em todas as bolsas da Terra. Um imperador especulador que lança agora o seu olhar cobiçoso aos commons (bens comuns) dos povos e aos recursos naturais do planeta.


quarta-feira, junho 19, 2013

.

Cold War Returns. U.S. President Barack Obama meets with Russian President Vladimir Putin during the G8 Summit at Lough Erne in Enniskillen, Northern Ireland 
Le retour de la guerre froide. Ambiance glaciale lors de la rencontre entre le président des Etats-Unis d’Amérique, Barack Obama et le président de la Russie, Vladimir Poutine. Cette rencontre a eu lieu dans le cadre du G8 organisé à Enniskillen en Irlande du Nord.
PHOTOGRAPHER : REUTERS/KEVIN LAMARQUE

Aos brasileiros que protestam

Força povo brasileiro! Não deixem que o vosso governo e os políticos vos endividem. Não permitam que o vosso país caia no vício do crédito fácil. A estratégia dos escravizadores é simples. É a mesma estratégia do traficante de droga. Primeiro concedem dinheiro (crédito) quase gratuitamente, até o vício pegar. Depois, mais tarde, estarão aí para cobrar juros usurários. E adivinhem quem vai pagar. Vós, os contribuintes! Um país com quase 200 milhões de habitantes escravizados, obrigados a pagar impostos elevados e um governo a privatizar tudo, até monopólios naturais, como a água potável...um sonho e uma tentação para os traficantes de dinheiro e usurários, não?! Hoje no meu país noticiou-se um pagamento superior a 1000 milhões de euros aos bancos (um deles o JP Morgan, imaginem só), para que aceitassem cancelar contratos assinados por governantes incompetentes ou corruptos que envolviam swaps. Vejam AQUI. E adivinhem quem está a pagar. O bom povo português.

Hoje a Cáritas, no meu país, anunciou que ¼ dos meus conterrâneos está em risco de pobreza. AQUI. Não é por acaso.

Acordai povo brasileiro! Não deixem transformar o vosso país num imenso Portugal, endividado, escravizado, entristecido... Somos hoje um protectorado, um país sob ocupação financeira. Não é maravilhoso, submeter um Estado e um povo sem ser necessário mobilizar um exército?! Esta é a nova guerra silenciosa.

Defendam-se! Não caiam nessa!

domingo, junho 16, 2013

Verão quente


Quando o cardo floresce e a sonora cigarra,
pousada na árvore, espalha o melodioso canto,
pela fricção das asas, na penosa estação do calor
nessa altura são mais gordas as cabras e o vinho melhor,
mais ardentes as mulheres e moles os homens;
Sírius abrasa-lhes a cabeça e os joelhos,
fica-lhes ressequida a pele pelo calor. É tempo então
de gozar a sombra de uma rocha, o vinho biblino,
um pão quente de qualidade, leite de cabra que já não amamenta,
carne de vitela apascentada nos bosques, que ainda não pariu,
e de cabritos tenros. Bebe então o vinho rubro,
sentado à sombra, saciado o coração com o festim,
o rosto voltado de frente para a frescura do Zéfiro;
e de uma fonte que corre perene e límpida,
deita três partes de água e a quarta de vinho.
Ordena aos escravos que o trigo sagrado de Deméter
arejem, logo que desponte a força de Oríon,
 em lugar bem ventilado e em eira redonda.

Hesíodo, Trabalhos e  Dias


in Pinheiro, Ana Elias (trad.), Ferreira, José Ribeiro (trad.), Teogonia;Trabalhos e Dias, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2005, pp. 114-115


(Uma eira redonda perto de Sentinela, no Algarve Oriental)

(O Verão toma de assalto as serras...)

(...e os laranjais).

A primeira foto é da albufeira da barragem do Beliche.

Todas as fotos foram tiradas hoje, 16/06/2013.

sábado, junho 15, 2013

O nosso “thatcherzinho”

Sabemos que Thatcher quebrou a espinha aos sindicatos dos mineiros do carvão, depois de quase um ano de luta e de greve. Sabemos que Thatcher é um modelo para pequenos neoliberais provincianos como nosso primeiro-ministro (o provinciano ditador Salazar, como sabemos, é outro modelo seu). Quererá ele mostrar músculo face aos professores, elegendo uma classe profissional para mostrar como se faz? Com a sua teimosia e irredutibilidade em não querer alterar a data de um exame para outro dia, como lhe sugeriu o colégio arbitral, parece querer manifestar uma posição de força face aos sindicatos e a um grupo profissional que os políticos dos partidos do “arco da governação” se habituaram a apoucar e desvalorizar socialmente, como se vê pelo trato que lhe dão quando governam e não pelas palavras mansas que lhe dirigem, quando estão na oposição.

Nem Passos é Thatcher, nem os professores são mineiros do carvão. Se ele se julga uma espécie de “dama de ferro” à portuguesa, ou se intenta querer seguir-lhe o exemplo, ou ainda, se sonha ser assim, está muito equivocado.

Passos será sempre uma versão de plástico, que é mais barato (nas palavras de O'Neill).

terça-feira, junho 11, 2013

O tornado de Nice

Valery Hache/AFP

Domingo passado.

segunda-feira, junho 10, 2013

E você, também tem medo dos portugueses?

Um destes dias a perplexidade atingiu-me ao ouvir coisa inaudita. O primeiro-ministro afirmava a alta voz que não tinha medo do povo do país que governa. Mas era suposto que tivesse? Tentei lembrar-me de outro primeiro-ministro português que o tivesse afirmado. Debalde. Imagine-se Obama, por exemplo, clamar do alto de um palanque que não tem medo dos americanos, ou Hollande a dizer o mesmo relativamente aos franceses, ou Merkel em relação aos alemães, e assim por diante. Só de imaginá-lo é ridículo!

Mas que necessidade pode levar um primeiro-ministro ou um governante, verbalizar tal coisa em relação ao seu próprio povo. Suspeito que por tê-lo dito, manifesta exactamente o contrário: que ele lá no fundo teme os portugueses. Só pode. Mas caramba! Não é ele português?

Os portugueses, tal como qualquer outro povo civilizado, não pretendem ser temidos por quem os governa. São um povo pacífico. Os portugueses pretendem apenas ser respeitados.

domingo, junho 09, 2013

O papel do professor

A competência do professor consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. Mas a sua autoridade funda-se no seu papel de responsável pelo mundo. Face à criança, é um pouco como se ele fosse um representante dos habitantes adultos do mundo que lhe apontaria as coisas dizendo: «Eis aqui o nosso mundo!»

Hannah Arendt (1968), “A Crise na Educação” in Quatro Textos Excêntricos, Relógio D’Água, 2000, p. 43.

Etiquetas