domingo, setembro 29, 2013

Turista não: viajante!

Duane Hanson, Tourists II, 1988

O principal desígnio do turista consciente é não ser confundido com um turista. Esses que constituem as hordas invasoras de cidades, campos e praias e que tudo conquistam com o olhar, o vociferar e a presença. Uma praga!

O principal desígnio de um turista consciente é ser tomado por viajante.

O turista inconsciente está-se nas tintas.

sábado, setembro 28, 2013

Sobre as alterações climáticas: duas leituras.


Expresso: “Relatório da ONU. Aquecimento global abrandou. A subida das temperaturas abrandou e nos últimos 15 anos até estabilizou. (…) É a primeira vez desde o relatório de 1990 que o IPCC não apresenta um cenário alarmista, apesar das emissões de CO2 continuarem a aumentar.” (pág. 2, Primeiro Caderno).


Parece que, pelo tom, a notícia do Expresso esteve ao cuidado de algum céptico das alterações climáticas e do aquecimento global.

África abaixo

Os países são feitos de pessoas, e eu acredito que a maioria das pessoas é feita bem. É feita de valores universais, que permitem a qualquer viajante sentir-se em casa quando se sente rodeado desses valores. O sorriso, a solidariedade, o bom-senso, a alegria, a música e a amizade valem mais que a corrupção, a desonestidade, o ódio, os preconceitos raciais, os estereótipos sociais. Viajarei com o primeiro grupo de valores na bagagem, para trocá-los por outros iguais ao longo da viagem. E como não os quero só para mim, depois de trocá-los, irei partilhar tudo.”

Gonçalo Cadilhe, África Acima, Oficina do Livro, 2007, p. 19


Conforta-me saber que existem viajantes experimentados que, depois de terem visto o mundo, ainda assim guardam uma confiança incondicional no ser humano, esse perigoso animal mais imprevisível do que um tubarão.

***

Não é que Gonçalo acredite viver no melhor dos mundos, como o doutor Pangloss, na história de outro grande optimista. Gonçalo não é ingénuo. Mas sabe que pode aventurar-se pelo mundo com relativa segurança, uma vez que sempre existem ilhas com bons ancoradouros onde poderá abrigar-se das tempestades.


Depois de ter lido as desventuras de Serpa Pinto pelas terras da África Austral no final do século XIX, e a história da travessia de Paul Theroux no século XX, do Cairo ao Cabo, sinto curiosidade em saber como se sairá Gonçalo Cadilhe nesse continente que é encanto e desencanto, que é sonho e pesadelo, que é tudo e o seu contrário.

Vou ler.

domingo, setembro 15, 2013

Um criminoso contra a humanidade, à solta.


Assad é um criminoso contra a humanidade. É Ban Ki-Moon, o Secretário-geral das Nações Unidas que o diz, e não um perigoso imperialista desejoso por alargar a esfera de influência do seu império. O que se deve fazer então em relação ao criminoso? Cruzar os braços e deixá-lo à solta? Vamos advogar que é um problema sírio, eles que se entendam? Que se matem uns aos outros? Parece-me que não: é um problema da humanidade, um problema planetário e portanto, um problema nosso. Já não vivemos no tempo do Rei Creso, nem na Idade Média europeia, em autarcia, fechados nos nossos feudos.

Quando nem uma só bala tinha ainda sido disparada e um só corpo tombado nas ruas de Damasco, quando o exército da Síria estava unido e o conflito não se tinha avolumado como uma bola de neve, Assad, por ter toda a força do seu lado, tinha o dever moral de evitar a guerra. Preferiu outro caminho e deixou que se avolumasse o conflito. O resultado está à vista.

Estou perplexo com a posição das esquerdas portuguesas, contra Obama, aparentemente por cegueira ideológica: parece que, para as nossas esquerdas, todo o vento que sopra da América é mau, independentemente das razões que lhe assistem, quer sejam justas ou não. Como se Obama fosse um falcão ávido de sangue, um Bush. Curiosamente as posições das esquerdas assemelham-se às posições da extrema-direita fascista, basta ler as opiniões dos blogues dessa área, que defendem os regimes de Assad e de Putin. Ironias da história.

quarta-feira, setembro 04, 2013

Estátuas







As estátuas altaneiras das velhas cidades imperiais miram-nos de cima, sobranceiras.

Antes que se escureça o sol, a luz, a lua e as estrelas


Preparo-me para deixar o Algarve após uma longa estadia de mais de meia década. Vou rumar para outras paragens. Algo em mim morre. Quando aqui cheguei o meu pai era vivo. À chegada ajudou-me a erguer um grande móvel para colocar os livros e a instalar-me. Agora que abalo, já não está entre nós. O Algarve mudou, e quando regressar, porque regressarei, decerto não o encontrarei como o deixo. Também quando cheguei, não foi o velho Algarve, o da minha infância, que encontrei. 

Ainda escrevo no silêncio nocturno da serra que em breve abandonarei. A casa e o quintal ficarão vazios. Talvez por isso, hoje, têm ecoado no meu pensamento umas palavras que em tempos li a uma velha tia analfabeta e devota, também já falecida, que se comprazia em ouvir-me ler a Bíblia:

«Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que venham os dias maus e cheguem os anos, dos quais dirás: “Não sinto prazer neles”;
antes que se escureça o sol, a luz, a lua e as estrelas,
e voltem as nuvens depois da chuva;
quando os guardas da tua casa começarem a tremer,
e os homens robustos a vergar,
quando as mós deixarem de moer porque são poucas
e se obscurecerem os que olham pela janela;
quando se fecharem as portas sobre a rua,
quando enfraquecer o ruído do moinho,
quando se calar a voz do pássaro
e humedecerem as canções.
Então, também terão medo de subir aos lugares altos,
e temerão os sobressaltos no caminho.
A amendoeira florescerá,
o gafanhoto engordará
e a alcaparra perderá as suas propriedades,
porque o homem encaminhar-se-á para a casa
da sua eternidade,
enquanto os carpidores percorrem as ruas;
antes que se quebre o cordão de prata
e se desperdice a lâmpada de oiro,
e se parta a bilha na fonte,
e se desfaça a roldana sobre a cisterna,
e o pó volte à terra donde saiu,
e o espírito volte para Deus que o deu.
Vaidade das vaidades, dizia o Eclesiastes, e tudo é vaidade.»

Livro do Eclesiastes, Ecle. 12

***

Estou a ficar velho. Apenas isso.

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