domingo, fevereiro 08, 2015

Quem quer ver a Europa Continental a arder?

Victoria Nuland ao centro.
Estamos a assistir a uma competição diplomática curiosa relativamente ao conflito ucraniano: enquanto Hollande e Merkel tentam por todos os meios deitar água na fervura e realizam um derradeiro esforço para colocar frente a frente Putin e Poroshenko, em Minsk, os Estados Unidos e o Reino Unido, neste contexto, que exigiria mais recato, pelo menos enquanto se aguarda o desfecho do encontro, não hesitam em lançar gasolina na fogueira. Os seus secretários de Estado, homens de Estado e falcões, apressam-se logo a disparar na direcção da Rússia. Ululantes, ameaçam armar mais ainda a Ucrânia. Comportam-se como enfants terribles nesta história.

Nem a Alemanha nem a França, as potências continentais da Zona Euro, querem um conflito às suas portas. Têm interesses económicos no Leste da Europa, em particular a Alemanha, que está mais perto da frente de batalha. Já os EUA e os ingleses, não observam o conflito da mesma forma, nem, aparentemente, com a mesma preocupação. Os EUA chegam a aborrecer-se com a Velha Europa, hesitante, lenta e burocrática. Tentam passar por cima dela neste processo. Fuck the European Union, lá deixou escapar a Secretária de Estado Adjunta de Obama, Victoria Nuland, ao telefone. Face ao comportamento diplomático americano, parece que essa é a atitude reinante nos bastidores anglo-americanos. Parece que desejam ardentemente que deflagre um fogo maior na Europa Continental.

sábado, fevereiro 07, 2015

Mudança, mas que mudança?

Medo de arriscar. A prudência é a lei do bom-senso português.
José Gil*

Quarenta anos de “rotativismo” trouxeram-nos até aqui. Quarenta anos de “mudança”!

Alguns clamam agora, novamente, por mudança. Mas que mudança? Já estamos habituados resignados à tal mudança na continuidade e à tal continuidade na mudança. Na verdade, até aqui sempre houve quem prometesse mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma. Houve até quem se limitasse a esperar na certeza de que um dia, só não sabia quando, dizia ele, haveria de ser primeiro-ministro. E não é que foi mesmo. Tal é a “mudança”. Vamos ouvir clamar muito por aí, por “mudança”, agora que as eleições se aproximam. “Mudança!”, reivindica-se uma vez mais.

A verdade é que Portugal é um país conservador, ou, por outras palavras, os portugueses são conservadores. Tão conservadores são que votaram num presidente que tem a “estabilidade” como um dos supremos valores do seu ideário. Tão conservadores que, passados tantos anos após o 25 de Abril, colocaram dois salazaristas nos mais altos cargos da nação. Cheira a caruncho por todo o lado. Na verdade foi sempre o medo de mudança que imperou. De mudança autêntica. O medo de existir.

Gritai agora! Clamai! Cantai agora o “Acordai!”

***

PS - Porque agora é que é a hora! Ou será que adormecemos?

Mas diga-se de passagem: o que esperar do país com a sexta população mais idosa do mundo? Audácia? Desejo de mudança? Ou mais conservadorismo, imobilismo e medo? O que esperar de um país em que as elites rentistas, mais poderosas e detentoras do mais rico património já se ocuparam em expulsar os mais jovens e audazes para o exterior?

É mais do que certo: aqui, assistiremos à continuidade na mudança e à mudança na continuidade. Os que nos trouxeram até aqui vão continuar por aqui, a comandar os destinos da pátria, naquilo em que ainda comandam, se assim se pode falar, porque na realidade já muito lhes escapa.
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(*) José Gil, Portugal, Hoje: O Medo de Existir, 7ª ed., Relógio D’Água, 2005, pág.79

Não me diga?!


E não sabemos nós outra coisa?! Há anos! Há tanto tempo que já é uma verdade de La Palice.

Mas diga-nos Vossa Excelência: o que se propõe fazer quanto a isso?

É que proclamar evidências não é o suficiente para nos levar a bom porto.

domingo, fevereiro 01, 2015

São as empresas, senhores, são as empresas.

Foi presciente John Kenneth Galbraith quando disse um dia que a grande dialéctica do nosso tempo não é, como antigamente se supunha e alguns ainda supõem, entre o capital e o trabalho, mas entre a empresa e o Estado.” Hoje, para cúmulo, temos alguns “lacaios” das “empresas” metidos no governo dos Estados. O seu comportamento é como o de um vírus ou de um cavalo de tróia. Uma vez no governo dos Estados, começam por retirar espaço à acção dos próprios Estados, para que as empresas que servem possam conquistar esses mesmos espaços, que se constituem afinal como novos mercados, novos prados, sempre cobiçados pelo olho gordo da grande empresa capitalista (ou pelos chineses, diga-se de passagem, tão arreliados que ficaram por não poderem comprar o porto do Pireu).

Esses espaços do Estado a que me refiro, mais não são do que serviços sociais públicos, sectores inteiros, que antes de mais, para essa gente, é preciso desmantelar e retirá-los do âmbito do Estado para os entregar às empresas privadas. É isso que querem dizer com “reformas estruturais”. As “reformas estruturais”, para esta gente, passam pela privatização de cobiçados sectores públicos, e pela sua "devolução" à economia, dizem eles. Que é preciso tirar o Estado da economia, acreditam eles. Mas para tal, só o conseguirão, antes de mais, desacreditando o funcionamento dos serviços públicos aos olhos dos cidadãos (pois mal irá a Saúde, quando os cidadãos deixarem de acreditar no Serviço Nacional de Saúde, mal irá a Educação pública, quando os cidadãos deixarem de acreditar no Ensino prestado na escola pública, mal irão os sistemas de transporte públicos, quando os cidadãos deixarem de acreditar nos seus serviços…e assim sucessivamente…e até a democracia, mal irá, quando se deixar de acreditar nela). Então, estes sacerdotes fundamentalistas do Mercado, mal disfarçados de democratas, actuam diariamente para desacreditar e desvalorizar os serviços públicos. Ele é escolas, hospitais, transportes… Desinvestem! Que não há dinheiro para essas coisas.

Nunca a carga fiscal sobre as famílias foi tão elevada, para uma tão grande degradação dos serviços públicos. Nunca se pagou tanto em impostos, sem que tal pagamento se revelasse numa qualquer melhoria dos serviços públicos prestados. Pelo contrário, assistimos ao caos nas urgências dos hospitais, nas escolas, (onde já é visível a falta de pessoal auxiliar), nos tribunais, nas esquadras, nas prisões, nos apoios sociais aos mais pobres, e despedem-se funcionários públicos, gente a abater, selectivamente enviados para “campos de requalificação”, ante-câmaras do desemprego.

Não fossem as resistências e a boa fé da população e de uma certa sociedade civil, já a Educação e a Saúde teriam saído quase integralmente do âmbito do Estado (já quanto aos transportes, para lá se caminha, com as anunciadas privatizações, acrescendo às já realizadas).

Mas enquanto tal não se fizer, não se calarão as vozes dos que nos massacram e infernizam com a insistência nas tais “reformas estruturais”.

Vem tudo isto a propósito da afirmação do Sr. Primeiro-ministro, que assume “o compromisso de honra” em baixar o IRC. O IRC! Já não se compromete honrosamente o Sr. Primeiro-ministro em baixar o IVA ou o IRS. Não! Compromete-se em baixar o IRC! Mais uma vez o IRC! São as empresas, senhores, são as empresas.

Fosse o mundo governado como se de uma empresa se tratasse, então tudo estaria melhor. É nisto que esta gente acredita.

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